Durante muitos anos seguidos adotei a prática de pescar em um dos rios brasileiros durante o inverno, entre os meses de junho a setembro, quando não chove nas bacias
Amazônica e do Pantanal.
Pesquei nesses locais de 1970 até 2.000. A partir daí os preços de passagem de avião e hospedagem se tornaram tão caros que esse tipo de lazer tornou-se impraticável. Deslocar-se para um rio Amazônico e pescar por uma semana passou a ser mais caro do que uma viagem a Europa, com acompanhante, por idêntico período.
Da época que realizei estes “safáris” guardo indeléveis recordações. Algumas vezes fui com Maria Amélia (Araguaia e Telles Pires), com mês filhos Marcos Flávio e Luciano, com amigos de Ilhéus, como Jaime Costa, Alciato, Álvaro Simões e meu irmão Ruy “Tatu”, com Nelson Saldanha e os proprietários do grupo Águia Branca e, na maioria das vezes, com Roberto Moreira, famoso dentista do Rio de Janeiro (já falecido), que conheci através do inesquecível amigo Carlos Oliveira Filho o popular Carlinhos “Cibica”.
Muitas das memoráveis pescarias que realizei nos famosos rios das regiões citadas foram relatadas em várias revistas de pesca, com que colaborei por muitos anos, como Pescatur, Troféu, Revista de Pesca de B.H., bem como em jornais da região e do nosso Estado.
Destaquei nessas matérias a esportividade dos tucunarés, matrinchãs, cachorras, bicudas e outros peixes de médio e pequeno porte, porém atrevidos na linha. A brutalidade das piraibas, jaús, pirararas, surubins e douradas, pirarucus, além dos grandes tambaquis e pirapitingas.
Muito mais importante até do que a própria pesca foi a oportunidade de conhecer outras regiões do nosso imenso país, seu povo, costumes, lendas, natureza, folclore e culinária.
Numa dessas viagens hospedei-me numa pousada em Ilha Regina , no rio Telles Pires, nas proximidades da desembocadura do Rio Peixoto de Azevedo, seu afluente. Além de fazer excelentes pescarias com meus filhos tive o ensejo de saber, por John Dalgas Firsh, famoso ornitólogo, que também tinha contratado uma temporada de caça e pesca, que alí nas margens do rio Cristalino existia uma famosa benzedeira, que possuía uma fazenda de gado, café e cacau, cuja principal atividade era promover curas diversas. Na fazenda atendia uma grande clientela, que acreditava ter a benzedeira poderes especiais. Era conhecida como Dona Zélia Benzedeira.
Seus poderes eram múltiplos. Iam desde a leitura da sorte, consultando as linhas da mão, as cartas de Tarô, os resíduos de pó de café que ficavam na xícara, até a cura de doenças através de rezas, chás, infusos, garrafadas, etc.
Doenças várias eram curadas com suas poções milagrosas; por exemplo: câncer com infusos preparados com casca de pau d’arco, leite de “graveto do cão” diluído em água de beber; diabetes com gravetos de pau-de-sapo, casca de sapucaia, casca de imbira, chá de folhas de pata de vaca com insulina e pau ferro; gastrite com infuso de casca de jatobá, etc. Não existia doença ou mal estar que não tivesse cura através de chás e infusos produzidos por folhas, raízes, casca e lascas de madeira. Coisas mais simples como mau olhado, espinhela caída, quebranto e depressão logo desapareciam quando a famosa benzedeira passava o ramo, usando galhos de pinhão roxo, arruda e outras plantas. Até mesmo bicheiras no gado, picada de cobra e de “bespa oropa” (abelha africana), não resistiam às suas fortes orações.
Gozava, pois D. Zélia Benzedeira de fama plenamente justificável, pelo que muita gente a procurava na fazenda, para a cura de seus males. Além de fama D. Zélia Benzedeira acumulou fortuna.
No tratamento de dois grandes males ela se destacou – tanto no “levanta moral” quanto na cura da ferroada de arraia.
Para o primeiro mal ela preparava um infuso que consistia na seguinte receita: duas garrafas de vinho branco seco, um pacotinho de casca de catuaba, quatro gravetos de pau-de-resposta, uma porção de maripuama, frutos de jurubeba e uma colher de chá de raspas de “piroca de quati”. Os elementos eram misturados e colocados para curtir por quinze dias e a partir daí bebia-se três doses, diariamente. A recomendação especial é que a “piroca do quati” fosse raspada no sentido do pé para a ponta, jamais da ponta para o pé, pois caso esta hipótese acontecesse o efeito seria inverso.
Para o segundo caso os cuidados teriam de ser maiores. A ferroada da arraia provoca dores lancinantes. Normalmente a vítima tem que ser levada imediatamente a um pronto socorro para tomar soro, antitetânica, fazer rigoroso curativo, tomar anti-inflamatório, antibiótico, antitérmico, etc., pois ao ferir a vítima a arraia injeta uma secreção venenosa través de seu ferrão.
Ocorre que na maioria dos rios da bacia Amazônica existem algumas espécies de arraias, adaptadas ao regime fluvial, que costumam ficar na parte rasa do rio, parcialmente escondidas na areia ou na lama, todas elas possuidoras de ferrão. Quando alguém desavisadamente pisa numa delas recebe imediatamente a dolorosa ferroada. Longe da cidade a única maneira para tratar do ferimento é recorrer aos santos serviços de D. Zélia Benzedeira.
O tratamento consiste no seguinte: a vítima da ferroada vai diretamente até a fazenda da benzedeira ou manda buscá-la para que faça uma aplicação direta da sua genitália (xibiu) no local afetado. Segundo se propaga em toda a região D. Zélia e outras benzedeiras famosas segregam na genitália determinados humores que em contacto direto com o local injuriado produzem um efeito anestésico e cicatrizante. Quando o acidentado chega a famosa Benzedeira coloca diretamente o xibiu no local afetado e deixa que os santos untos realizem o milagre de minimizar a dor e permitam a cicatrização. Embora a dor passe quase imediatamente (cerca de meia hora) a cicatrização só se realiza alguns dias depois, com a renovação do tratamento. Quando o ferimento ocorre em local difícil de receber a aplicação direta D. Zélia usa um expediente bem interessante: manda colher algumas folhas do “olho” da umbaúba branca, umedece no xibiu e aplica no local afetado, produzindo o mesmo efeito. Em alguns casos, quando o cliente fica em sua própria casa e a Benzedeira não pode se deslocar até lá utiliza-se essa alternativa. Também a segunda hipótese funciona quando a mulher do injuriado é muito ciumenta – lá vai a folha do broto da umbaúba branca impregnada dos santos untos de Dona Zélia Benzedeira.
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