À SOMBRA DA GAMELEIRA
CASAMENTO ANULADO
PROTAGINISTAS:
I - ZEZEU MARAJÓ era o filho caçula de um rico
fazendeiro de cacau. Logo que concluiu o curso ginasial, ganhou um Camaro
conversível de presente e deixou de estudar, como faziam os filhos de
fazendeiros ricos, em sua esmagadora maioria. Raros entendiam ser importante
cursar a universidade e abraçar uma profissão liberal.
Também não cuidou de abrir um
negócio que lhe proporcionasse uma boa renda e uma atividade econômica
permanente. Preferiu acompanhar seu pai nas visitas semanais às fazendas e
utilizar o restante do tempo para os folguedos. Não dispensava os famosos babas
na praia de Av. Soares Lopes e as rodas de bar, com os amigos, bebericando
cerveja, whisky, etc. De temperamento esquentado costumava discordar de tudo e
iniciar arruaças. Não era bom de briga, mas logo sacava uma arma de fogo ou um
facão, afugentando seu oponente. O que ele gostava mesmo era de confusão. Boa
parte dos jovens de sua idade evitava sua companhia. Seguiu nesse tipo de vida
até completar quarenta e cinco anos de idade. Não teve durante todo esse tempo
de vida uma namorada fixa.
I I - GENOLINA ALEGRETE DA SILVA
era a filha mais velha de um casal de comerciantes abastados. Concluiu o curso
de ginásio e viu suas duas irmãs mais novas casarem-se enquanto ela não
conseguia um namorado. Não perdia a esperança de casar-se e ter filhos. Já
estava com os joelhos ralados de tanto rezar para Santo Antônio, na esperança
de lhe arranjar um namorado. Viu, com uma ponta de inveja, suas irmãs mais
moças casarem-se, até mesmo a caçula de dezessete anos. Já completara trinta e
dois anos e nada de pretendente, Nem mesmo solteirões sem boa aparência lhe
dirigiam qualquer gracejo. Deus é mais – dizia -, e tome-lhe promessa para
arranjar alguém.
III – PAI CID AÇU era um famoso
Babalorixá, estabelecido com um tradicional terreiro no Distrito de Olivença.
Incorporava o “Caboclo Tupinambá” e desfrutava de enorme prestigio entre os
seguidores do candomblé. Segundo alguns, operava verdadeiros milagres,
realizando inúmeras curas, através de seus despachos, preparo de panacéias, etc.
Filho de família tradi- cional, de origem polonesa, dedicou-se ao estudo de
religiões orientais e exóticas, tornando-se especialista em seitas africanas,
Umbanda, Kimbanda e Keto.
A HISTÓRIA
Num determinado dia Genolina
estava sentada num banco da avenida quando passou Zezéu num Camaro novo. Ao
passar em frente acionou a buzina do carro e ela automaticamente olhou. Zezéu
abriu vasto sorriso imediatamente correspondido. Completada a volta na avenida
Zezéu parou o carro e convidou-a para dar uma volta. É agora ou nunca, pensou
Genolina, e logo sentou-se ao lado de Zezéu. Desse modo começou o namoro mais
esperado pelos familiares de ambos, que já os consideravam dentro do
“barricão”.
Passou um ano e veio a festa de noivado,
reservada aos parentes e amigos muito próximos das respectivas famílias. No
período de noivado cuidaram de adquirir apartamento e mobiliá-lo de acordo com
o gosto do casal.
O casamento, embora pomposo,
ficou adstrito aos familiares e amigos mais íntimos, como já ocorrera no
noivado. Após a recepção, onde Zezéu, abusou um pouco do whisky e do champanhe,
recolheram-se ao apartamento, onde deveriam passar a noite de núpcias e viajar
no dia seguinte para o Rio de Janeiro, em “lua-de-mel”. Ao chegar em casa Zezéu
tomou um banho, vestiu o pijama e “caiu na cama”, já roncando, em estado de
quase coma alcoólica. Lá se foi a primeira frustração de Genolina. Chegados ao
Rio de Janeiro deixaram as malas no hotel e partiram para passeios no
Corcovado, Pão de Açúcar, Mêsa do Imperador, estrada das Canoas, floresta dos
Esquilos e outros pontos turísticos tradicionais. No fim tarde recolheram-se ao
hotel, tomaram banho, trocaram de roupa e foram para o bar. Zezéu, como de
costume, encheu a cara de whisky, antes do jantar, regado a vinho. Outra vez,
bem bêbado, escornou-se na confortável cama e roncou como “gente grande”.
Genolina, coitada, outra vez ficou a “ver navios”. Esta cena repetiu-se por
toda a semana, até o final da “lua de mel”. Ao voltar para Ilhéus, invicta, com
espessa teia de aranha na “Princesa Guilhermina”, procurou sua mãe e relatou a
triste “Odisséia”. Antes de tomar qualquer providência judicial e para evitar a
péssima repercussão que o caso causaria, resolveram procurar “Pai Cid Açu”,
cuja fama de milagreiro conheciam.
Chegaram ao famoso terreiro e
foram recebidas pelo “Pai de Santo”. Vestido a carater, “Pai Cid Açu, já
incorporando o Caboclo Tupinambá, jogou os búzios e vaticinou: “É moça, Sunçê
tá num mato sem cachorro. O marido de sunçê tá Borocochô mermo. Tupinambá acha
que essa ziquizira num tem cura, mas prá num dizê qui sunçê saiu daqui sem uma
tentativa siqué, nós vai cortá um bode preto nas encruza e passá um infuso pru
borocochô, prá vê se ele alevanta a “milionária” (aquela que nunca fica dura).
A receita é a seguinte: uma garrafa de vinho branco seco misturada cum
“pau-de-resposta”, maripuana, catuaba, pó de guaraná e raspa de piroca de
quati. Servi um cális pela manhã, um mei-dia e um à noite”. “Mermo seguindo
recomendação a risca num credito no milagre – mas num custa nada tentá”. Além
disso faça comida cum muito marisco (ostra crua, lambreta, sururu, etc.) e no
café da manhã muito aipim cozido e bolo da macaxeira mansa, conhecida por aipim
cacau”. Não custa tentá, porém Caboco Tutinambá acha qui num vai diantá; o
marido de sunçê tá brocha mermo”.
Genolina saiu da sessão muito
triste, porém partiu para a última tentativa. Seguiu à risca as recomendações
do prestigiado “Pai Cid Açu”. No primeiro e segundo dias Zezéu comeu tudo que
lhe foi oferecido, inclusive as doses do infuso. Ao ver no terceiro dia bolo de
aipim e aipim cozido no café da manhã procurou saber dos amigos prá que servia
aipim e foi informado que era bom para o tesão. Sentiu-se profundamente
ofendido. Mexeram no seu complexo. No quarto dia chegou à mesa e quando viu o
prato de aipim cozido, sacou o revolver e obrigou Genolina comer toda a porção.
Mesmo entalada teve que comer até o último pedaço do afrodisíaco. Da mesa
correu direto para a casa dos pais e relatou o sucedido. Procuraram um advogado
amigo e no mesmo dia ingressaram em juízo com uma ação de nulidade de casamento,
relatando na inicial todo o fato e solicitando perícia médica para comprovar
que o casamento não fora consumado. A requerente continuava absolutamente
virgem. A Princesa Guilhermina não fora tocada, nem de leve. Espessa teia de
aranha insistia em protegê-la.
Citado pelo Oficial de Justiça do
inteiro teor da inicial, Zezéu deixou o feito correr à revelia. Viajou para o
Rio de Janeiro onde fixou residência definitiva, isto é, até morrer, cinco anos
depois, ostentando o honroso título de BOROCOCHÔ.
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